Um dia destes, saltou-me à vista na timeline do Facebook um cabeçalho de um artigo etiquetado como sendo de “outdoor e alimentação saudável” num conhecido site português. O título era Como a musa da Intimissimi perdeu 12 quilos em dois meses.
Como a musa da Intimissimi perdeu 12 quilos em dois meses
Bonito! Só por aqui, já dava para adivinhar que vinha dali asneira. E veio. Lê-se uma espécie de entrevista a uma rapariga que mede 1.66m e actualmente pesa 50kg, mas já pesou 62kg e considerava-se gorda. Está no seu legítimo direito.
Creio que cada pessoa deve fazer por ficar bem consigo própria. Quem não está bem, deve mudar. Mas há cuidados a ter, e a imprensa deveria ter um papel activo neste processo de consciencialização.
A ideia que o texto transmite é que, efectivamente, esta rapariga que mede 1.66m era gorda quando pesava 62kg, o que estava longe de ser verdade.
Imparcialidade: essencial numa entrevista
Há noções elementares quando se realiza uma entrevista, e uma delas é a imparcialidade. Isto aprende-se na escola. Era o mínimo que se pedia, já que o texto não tem, de todo, ponta por onde se possa pegar. Nesta entrevista, há julgamentos por todo o lado.
Desde a primeira à última questão: “ganhou 12 quilos, sem ter muita noção”, “quando e como é que caiu em si?”, “os seus amigos e pais não a chamavam à atenção?” (adoro a formulação desta última questão, a sério).
As respostas que surgem de seguida são típicas de uma pessoa desinformada e nem deveriam ser transmitidas em modo de incentivo a que outras pessoas sigam o mesmo exemplo.
No final da entrevista, lá surge um parênteses a desencorajar outras pessoas de seguirem o mesmo caminho, por parte da entrevistada. Mas, no geral, é isto que temos: maus hábitos alimentares, dietas drásticas e nada aconselháveis, muitas falácias.
Maus hábitos, dietas e muitas falácias
A entrevistadora ainda pergunta à modelo se “tem orgulho e gosta de ser saudável”. Perder 12 quilos em 2 meses (recorrendo a uma alimentação que não se aconselha a ninguém) é ser saudável?
Ser saudável é aceitar-se sem cair em extremos, é comer de forma variada e dar ao nosso organismo toda a nutrição de que necessita (sim, isso inclui a ingestão de hidratos de carbono!), é praticar exercício físico, é conviver, é ser feliz, é não ter de ouvir, sequer, insinuações alheias e muito menos ter de dar satisfações por sermos assim ou assado.
Muito sinceramente, preocupa-me que o maldito artigo tenha potencial para chegar a tanta gente e que, infelizmente, possa causar transtornos a quem não vai, sequer, questionar o que leu.
Não sei como esperam que se mudem mentalidades e que se acabe com problemas graves como os distúrbios alimentares e toda uma panóplia de doenças mentais associadas quando nos espetam com pérolas literárias destas no ecrã.
Muito se fala da autoestima e da autoimagem, muito se promove a aceitação da diferença, mas estamos em 2015 e ainda se permite que haja conteúdos perigosos em destaque sem que haja uma chamada de atenção.
Por favor, tenham muito cuidado com a informação que vos é oferecida e não se deixem influenciar por tolices!